domingo, janeiro 28, 2007

ela e sua janela

Sentada na frente da janela ela parecia esquecer de tudo. A chuva fria escorrendo pelo vidro meio-fosco da janela. Alguém deveria limpar isso - pensava calada - é, alguém deveria. O vento frio entrava pela fresta e fazia seus dedos ficarem rígidos. Acho que estou com frio, mas não quero sair daqui. Não, não - balançava a cabeça sutilmente de um lado para o outro. Porque se eu sair, vai ser como voltar, e eu não quero voltar. Acho que já fui humilhada o bastante, não? Subjulgada do jeito mais vil. Porque você sabe: me fazer sentir menor que o mundo é como me dizer "não" naquele começo. Nascer pra morrer, sabe como? - arrepiava-se e se afastava uns dois passos. A chuva estava mais forte e caía com violência.
Não me culpe pela hostilidade do que vive - chovendo, chovendo, chovendo. Posso criar também. Posso lembrar e reviver. Posso apagar essas gotas assim, oh, assim - remoia-se de ódio. Daí, coisinhas, quem vai dizer que não houve medo, quem? Quem vai dizer que tenho medo de viver ou de me atirar no que sinto, quem? - via-se cheia de cólera encolhendo-se em volta - o mundo anda pequeno pra mim.
A janela clara lhe desafiava. Tão escura, escura por dentro. Era como uma sombra andando pela casa. Um poço de hesitações e coisas pra fazer. Um buraco que sugava as vontades e os sentimentos de quem amava. Baixa e perversa - assim que funcionava. E a janela. Ah, aquela janela - clara e brilhante.
Estúpida! - gritava sem mexer os lábios - estúpida! Faz luz pra quem não merece. Posa de boa pra quem nem liga. Você é um buraco bem sucedido, não vê? Um buraco! Bonito brilhar assim? É a mais dissimulada das coisas. Vendo por dentro e por fora, por dentro e por fora! Que alegria você tem nisso, hein? Que alegria? Mistério, meu bem, mistério é o que eu tenho - fingia rir.
E a janela ali, impassível. A chuva parava e o sol vinha fazer brilhar as pequenas gotas do vidro.
Então é essa sua respostas? - cerrava os punhos com força - então é essa sua resposta? - as lágrimas escorriam quentes pela face enrrugada pela raiva. Eu tentei, eu tentei - redimia-se - eu tentei ser melhor, eu tentei fazer feliz. Mas não posso mudar aquilo que vem de dentro de mim. Essa mancha escura que mora aqui, aqui - batia forte contra o peito - você não sabe o que é sofrer, não sabe o que é sentir, muito menos amar! Você não sabe, não sabe... - soluçava se encolhendo .

Tinha acabado de brigar com a janela - e perdido.