segunda-feira, fevereiro 19, 2007

te am

A noite estaria estrelada. A brisa seria fresca. E o ar teria um aroma adocicado. Seria perfeito: ela diria aquelas coisas que sempre quis dizer. Falaria melhor que qualquer atriz desses filmes clichês sobre amor que tem por aí. Porque na verdade elas não sabem nada – concluía – não sabem nada sobre amor, nada! Mas o que ela faria, sim, o que ela faria, aquilo seria amor de verdade.
“Eu diria assim, leve, leve, como se buscasse cada palavra minuciosamente. Minha respiração ficaria ofegante, até me atrapalharia, mas seguiria firme. Olharia tímida para o chão alguns segundos. As mãos tremeriam, meu bem, tremeriam! Ficariam geladas e rígidas como num dia de inverno, mas era verão. Era noite. Era fresco. Então eu saberia, estaria nervosa, nervosa. Ansiosa pra te dizer. Ansiosa pra te fazer entender. E você me olharia confuso, com os lábios entreabertos – pra dizer alguma coisa que talvez nem existisse, seria só a hesitação de uma exclamação confusa. Os olhos escuros sutis brilhando com a meia-luz da lua.
Minhas mãos ficariam confusas também. Perdidas sem ter direção. Eu cruzaria os braços. “Não, não, isso não está certo” – pensaria rápida – e as mãos correriam ligeiras, procurando a melhor posição. Eu suspiraria e diria alguma coisa que você não iria ouvir. Que foi – eu escutaria – que foi. Que foi? Não teria certeza se era você me perguntando ou meu coração pulsando alto demais. Que foi, que foi, que foi. Então eu te olharia, meu bem, com os olhos do maior amor desse mundo. Encostaria suavemente meus dedos no seu rosto, sim, suave, e diria de uma vez só: te amo. Essas duas palavras se confundiriam e eu repetiria: teamo, teamo, teamo.
Te amo tanto, escuta - eu pediria – te amo. Cada pequeno momento, cada pequeno suspiro de hesitação, é uma onda de felicidade que eu sinto. Nunca me senti assim, meu bem, nunca! Como posso te fazer entender algo que eu mal entendo? Não me culpe, meu bem, não. Nunca me senti assim, é novo pra mim. Não sei explicar. É como se um dia alguém, de repente, me pegasse pelas mãos e me ensinasse a andar e a fascinação é tanta que não consigo contar meus passos. Eu te amo porque esse teu amar me faz andar. Porque quando eu estou assim, do teu lado, não preciso contar meus passos, nem minhas palavras, nem meus “poréns” tão desgastados: confio em cada movimento teu. Com você eu sou eu, sem vírgulas, sem adjetivos, só eu, entende? Você me mostrou, meu bem – aqui entraria uma pausa, uma pequena pausa pra respirar – que quando a gente perde um coração, alguém pode te dar outro. Um outro até melhor, melhor! Você me deu o que eu achei que nunca mais teria. Como pode alguém fazer tão bem pra outra? Como pode alguém amar e não saber dizer, me diz, como? Logo eu, eu que iria tão longe por você. Que desenharia os lugares mais bonitos, inventaria as histórias mais bobas só pra te ver rir. Eu, que cuidaria de cada detalhe, até dos mínimos, pra fazer dos teus dias os mais perfeitos. Eu, que decorei cada gesto teu pra repassar todo dia antes de dormir – pra me lembrar do tanto que eu te amo, do tanto que eu sinto e pra não esquecer de te mostrar, te mostrar tudo isso.”
Ele, então, inclinaria a cabeça sutilmente pro lado direito. E aquele sorriso, sim, seria aquele sorriso que só ele sabia dar. Os lábios se curvariam e suavemente se abririam. Os olhos piscariam lentos. O que ele pensaria? Teria entendido? – eu contrairia a boca, olharia o chão novamente, tiraria a mão do rosto dele. As bochechas avermelhadas.
Nessa hora, nessa hora! – pensava hesitada – Nessa hora a brisa tocaria sua pele, doce, quente, pulsante. E ela ouviria um “eu te amo” rasgado, cortando a vibração do seu nervosismo. Seria como um choque: rápido. Cada sílaba, cada ameaça de som daquela frase, ela sentiria. E o amor, o amor que por tantas vezes ela pensou, desejou, sublimou, seria todo dela e pra ela. Seria assim, seria assim.
***

Mas a noite estava fechada. As estrelas eram gotas de chuva. A brisa era fria e o ar, úmido. As palavras vinham e sumiam antes mesmo de serem entendidas. Ela queria dizer, mas os lábios não se abriam. Era como se tudo já tivesse sido dito. Seus olhos se enchiam de hesitações e coisas não-ditas, piscavam dissimulados. O chão lhe faltava, nem isto para ela desviar o olhar, nem isto. Não sabia se estava nervosa, feliz, ofegante, tudo se confundia – então calava.

As mãos se fechavam calmas em torno das mãos dele, o coração pulsando forte, podia sentir em cada parte do seu corpo. E a pergunta não era “o que foi”, mas “por que não diz”. Porque não consigo dizer, por quê? Por que não diz, por que não diz – sem ritmo, sem frases bonitas, sem suspiros e bochechas vermelhas. “Será que eu estraguei tudo?” – se perguntava mexendo os pés pra frente e pra trás num movimento infantil.

Então ele a encarou. Os mesmos olhos escuros sutis brilhando sem a meia-luz da lua, os mesmos. E ela ali, sem ação, sem ação! Piscando rápido, vendo todo aquele discurso desfilar sem poder alcançar. Tentava inventar, gritar, desviar qualquer atenção, mas a única coisa que insistia em sair eram suspiros rudes. Eu – conseguiu finalmente – eu... – calou – Olha...eu... – piscava rápido e, surpresa, viu os olhos dele fazerem os mesmo. Ela sorriu sem graça, ele parecia entender quando ela estava num impasse e a fazia rir quebrando qualquer mal-entendido.

Oh...eu... – tentou de novo, mas não continuou quando percebeu que tinha soado horrível. E ele lá, olhando, olhando, desconsertando-a de êxtase e nervosismo. Eu...te am – mal terminou sentindo os braços dele envolta dos seus numa mistura de prazer e alívio.

O tempo parou. As gotas se calaram. As estrelas não vieram, mas ouvir “eu sei, eu também, minha linda” dos lábios dele – dos lábios dele! – fora a sensação mais doce da sua vida.