segunda-feira, novembro 08, 2010

Olha

Insônia de uma noite quente. Os olhos cansados de trabalhar, de ver, de apurar todos os detalhes. Vivo com os olhos e não tenho vergonha de admitir. Sorrio com os olhos como nos poemas mais clichês. Coço os olhos com força quando tenho que coçar e os derramo em lágrimas sempre que o coração assim pedir. Olho coração - sabe quando vê algo que gosta, pisca quando não acredita e se fecha quando não quer olhar. Olho feito pra ver, feito pra encarar. Olhar de relance, olhar de mentira, olhar de qualquer coisa. Vivo para enxergar e enxergo para viver. Não escolhi assim, me fizeram assim - nos fizeram assim. Escravos dos olhos, inimigos do escuro, medrosos da cegueira.
Vivo na cegueira porque enxergo demais. Vivo com os olhos porque aprendi a sincronizar com o coração. Mas que fim de mundo, olhar desse jeito. Os olhos não foram feitos para sentir. Por que olhar para o olho que, muitas vezes, não olha pra nada? Olhos sedutores, olhos gulosos, olhos mesquinhos. Não quero viver do olho, não quero. Me ensina a ver com os olhos fechados - ou me ensina a amar, acima de tudo, de olhos bem abertos.

quinta-feira, outubro 21, 2010

Saudade

Saudade do tempo que não foi. O momento exato não sei dizer, somente tenho comigo a vontade funda de escrever. Escrever me arrepia. Escrever me faz viver um pouco mais. Há quanto tempo que não tenho o que dizer. Há quanto tempo me deixei levar pela rotina surda das coisas que devemos fazer. Há quanto tempo deixei de notar que o destino - implacável - está por aqui, não sei se rindo, não se cobrando, mas vivendo por todos nós. É, nem sempre os dias são de paz. Nem sempre a noite vem calma. Zumbido surdo, vontade torta, amor demais. Vivo porque amo. Choro porque quero, porque os olhos quiseram assim. Penso, penso e chego a conclusão que a vida é mesmo volátil. A fragilidade me assusta, me traz qualquer melancolia. Qualquer impulso de hesitação. Que exemplo tenho pra dar? Que amor tenho pra dividir? Ter razão, ter sentido, ter palavra, ter poder. O que, enfim, queremos ter? Onde queremos chegar? Onde quero chegar? Não sei, juro que não sei. Será que somos, será sou tão frágil quanto a vida? Será que sou sempre a mesma criança que não se reconhece no espelho? De medo, desvio o olhar. Estranheza de se ver. Estranheza de se encarar. Arrepio de sensações antigas, conflitos passados. Ainda sou a mesma. Ainda me carrego na alma. É saudade do tempo que não foi, definitivamente.

sábado, junho 12, 2010

Amante

Alguns momentos sempre são únicos. A tomada de decisão, a escolha do caminho, um sorriso sincero. Queria que esse momento fosse meu, mas não é. Queria poder parar o tempo, congelar os minutos na felicidade honesta de quem ama. Por que a vida é um insistir em mudanças? Por que essa necessidade cega de alterar a rota, de desviar para o atalho, de se perder num lugar onde não se tem mais caminhos? O que me espanta nisso tudo, digo com clareza e repito, não tenho o momento, não tenho a decisão, estou despida de qualquer tipo de poder. Estou à revelia. Me arrastam para onde não queria ir, me cobram por uma dívida de nunca pensei ter. Qual o risco de ser tão humana? Qual o tamanho da misericórdia? Qual o preço de uma redenção? Como se muda o que não se sabe? E mais, como se julga o que não se entende? Nas tantas perguntas que me lançam a essa confusão que é viver, me sinto atordoada - de corpo e de alma. De que adiantaria sorrir pela metade ou aceitar o que se nega? Por que precisamos re-amar o já amado, viver o já vivido, questionar o inquestionável? Não preciso, sinto em mim. Não preciso, grito por dentro - cólera puramente humana. Raiva que vem daquele fundo inteligível de tudo que respira.

Qual a taxa de cobrança da felicidade? Não quero viver no aqui-se-faz-aqui-se-paga. Não quero seguir aos trancos. Não quero cair, não quero hesitar. Custa dizer que só quero ser feliz? Custa dizer que, se pudesse, viveria só de amor? Quanto custa? Muito custa. Custa o preço do sacrifício, a dor da ausência, o desejo reprimido. O amor amordaçado, as mãos atadas, o eterno "quero ir, mas não posso". O para sempre "eu não devo". Não posso, nem quero, admitir a crueldade do que segue. A brutalidade da procura pela certeza. A sede rude da superação. A dor amarga de ser assim - pequena, pulsante, amante em todas as palavras.

segunda-feira, abril 19, 2010

Coisas

"Quando as coisas acontecem?" - perguntou com aqueles olhos enormes.

Não sei, quem sabe nem aconteçam, ela pensou. Quem sabe elas nem existam. Porque eu invento as coisas, entende? - insistiu. Mas como ela contaria algo assim para a outra? Capaz de destruir os sonhos da coitadinha. Tão cheia de vida, tão grande naqueles olhos maiores ainda. Não sei, querida. Por que não deixa que elas aconteçam sozinhas? Teria resposta melhor? Não, não, senhor. Não teria. E ela nem precisou inventar outras coisas. Colocar mais coisas nas coisas que já existiam. Não, não - repetia-se. Negar tanto era a forma certa de afirmar qualquer mentira.

Então o desgosto da outra. Aquela expectativa reprimida, aquele dia que não passava. Como poderia mentir daquele jeito, ser dissimulada daquela maneira?
"Já sei, você não gosta de mim. Só quer que as coisas venham logo e me decepcionem. Você não quer me ver crescer. Egoísta. Eu sei dos seus planos, mas dessa vez não vai me enganar tão fácil assim. Quando as coisas acontecem?" - disse chacoalhando os braços pra lá e pra cá. Seu jeito de ganhar o ambiente. Expansiva.

O que ela quer? Como pode julgá-la dessa forma? Dissimulada? De novo? E pra onde foram seus esforços? Pra onde foram todas as coisas que ela inventou? As coisas que ela fez acontecer? Será que não vê? Será que não? Suas negações veladas, sua alegria sem limite, seu amor sem medida? Ou ela não percebia que a vida era assim, cruel nas sutilezas, terrível nos detalhes? Que mundo ela quer pintar dessa vez?

"Me diga, vamos, quando as coisas acontecem?" - repetiu.

Acontecem quando a gente quer.

"Mentira. Eu quero agora e elas não acontecem".

Então você não pediu direito.

"Mentira. Pedi, sim".

Então não fez tudo que podia.

"Mais mentira ainda. Você sabe que eu fiz".

Aí o jeito é se calar e esperar. Não vou responder o que não posso saber. Nem inventar um futuro para viver. Acabaram. Acabaram as coisas, entendeu?

"Quer dizer que elas não vão mais acontecer?"

Não.

"E vou fazer o quê, agora?".

Viver, minha pequena, viver.

Ela, então, contrariada com o que acabara de ouvir, revirou-se na cama. Fechou os olhões e resmungou qualquer nome feio. Brigar com a consciência era sempre perda de tempo. Dormiu, finalmente.

sexta-feira, abril 16, 2010

Pequenas coisas têm um grande potencial de arruinar seu dia.
E, pequenos gestos, de alegrar sua tarde.

quarta-feira, março 24, 2010

Tristeza

Tristeza é um sentimento fundo. Um incômodo que vem do estômago e se espalha pelo corpo. Uma dorzinha que não dói. Uma vontade de chorar sem motivo. Um meio-sorriso amarelo e uma dor de cabeça de remorso. Tem dias que me sinto reprimida por mim mesma, triste por me encontrar assim, tão frágil e insegura. Sei que tristeza é feito onda, que logo vai embora - mas que também puxa pro mar. Se pudesse, hoje sentaria num lugar qualquer para pensar em coisa alguma. Me sinto triste e viva. Triste e amando. Às vezes é puro egoísmo, às vezes é pura carência, mas tem dias que tiro para me sentir assim, no topo das coisas, preocupada demais com o meu umbigo. Na verdade, o que espero é que alguém, num pleno momento de percepção exacerbada, me roube um instante.
Você tem um instante pra mim?

segunda-feira, março 22, 2010

Voltar

Estanho esse negócio de voltar, porque parece que a gente só volta quando não tem jeito mesmo. Acabou o dinheiro, deu saudade, nada deu certo, se perdeu no caminho. Tirando o "deu saudade", voltar parece coisa de derrota, aquele momento exato antes do "eu não disse?". Ou, como diria o meu irmão, o "big FAIL" estampado na testa. Mas, voltar nem sempre precisa ser tão dramático, afinal, algum dia todos temos que admitir que erramos, que perdemos o caminho ou que precisamos de colo. Eu não sei se errei, mas que perdi o caminho, perdi (faz dias que tentava lembrar a senha daqui e nada). E também senti saudade, parece besteira, mas senti saudade de mim mesma, da Juliana que escreveu por aqui e que, romântica profunda, quase sempre fala de amor. Se ela vai me dar colo, não sei - até porque essa coisa de escrever na terceira pessoa é muito brega. Não vou me dar colo, não. Quem sabe um tapinha nas costas, um sorriso de incentivo e uma cobrança de resultados. É, crescer deve ser assim sofrido, suado, confuso e amargo. Já que eu ainda tenho tanto para aprender e muito para buscar, por que não voltar de vez em quando? Cada neura vivida, uma linha a mais. E, se nada der certo, deixo aqui registrado: eu não disse?!