"Quando as coisas acontecem?" - perguntou com aqueles olhos enormes.
Não sei, quem sabe nem aconteçam, ela pensou. Quem sabe elas nem existam. Porque eu invento as coisas, entende? - insistiu. Mas como ela contaria algo assim para a outra? Capaz de destruir os sonhos da coitadinha. Tão cheia de vida, tão grande naqueles olhos maiores ainda. Não sei, querida. Por que não deixa que elas aconteçam sozinhas? Teria resposta melhor? Não, não, senhor. Não teria. E ela nem precisou inventar outras coisas. Colocar mais coisas nas coisas que já existiam. Não, não - repetia-se. Negar tanto era a forma certa de afirmar qualquer mentira.
Então o desgosto da outra. Aquela expectativa reprimida, aquele dia que não passava. Como poderia mentir daquele jeito, ser dissimulada daquela maneira?
"Já sei, você não gosta de mim. Só quer que as coisas venham logo e me decepcionem. Você não quer me ver crescer. Egoísta. Eu sei dos seus planos, mas dessa vez não vai me enganar tão fácil assim. Quando as coisas acontecem?" - disse chacoalhando os braços pra lá e pra cá. Seu jeito de ganhar o ambiente. Expansiva.
O que ela quer? Como pode julgá-la dessa forma? Dissimulada? De novo? E pra onde foram seus esforços? Pra onde foram todas as coisas que ela inventou? As coisas que ela fez acontecer? Será que não vê? Será que não? Suas negações veladas, sua alegria sem limite, seu amor sem medida? Ou ela não percebia que a vida era assim, cruel nas sutilezas, terrível nos detalhes? Que mundo ela quer pintar dessa vez?
"Me diga, vamos, quando as coisas acontecem?" - repetiu.
Acontecem quando a gente quer.
"Mentira. Eu quero agora e elas não acontecem".
Então você não pediu direito.
"Mentira. Pedi, sim".
Então não fez tudo que podia.
"Mais mentira ainda. Você sabe que eu fiz".
Aí o jeito é se calar e esperar. Não vou responder o que não posso saber. Nem inventar um futuro para viver. Acabaram. Acabaram as coisas, entendeu?
"Quer dizer que elas não vão mais acontecer?"
Não.
"E vou fazer o quê, agora?".
Viver, minha pequena, viver.
Ela, então, contrariada com o que acabara de ouvir, revirou-se na cama. Fechou os olhões e resmungou qualquer nome feio. Brigar com a consciência era sempre perda de tempo. Dormiu, finalmente.