Era um dia mais que especial. Era um dia daqueles que custavam a chegar. Dias ansiosos, cheios de risadas, abraços - dias de festa. Ela treinava o sorriso no espelho do quarto, tentando achar o ângulo mais bonito. Depois falava uma frase qualquer, só pra ver se a maquiagem não iria borrar. De repente, ainda em frente ao espelho, ela parava um momento para se encarar. Meio sem jeito, corava de vergonha. "Onde já se viu?" - ria-se - "Só eu pra pensar que a gente pode ensaiar a vida". Então, ela ajeitou o vestido de flor, olhou-se pela última vez e, decidida, deixou o quarto.
Ela veio caminhando apressada pelo corredor. As sapatilhas fazendo barulho na madeira imitavam a frequência cardíaca - coisa de gente apaixonada. Seguiu para a sala. Podia jurar que, por detrás das portas, ouvia gente sorrindo, conversando sobre qualquer coisa. A ansiedade de viver aquele momento a sufocava na boca do estômago. Tentava se acalmar sozinha, repetindo-se que aquele dia não era o dela. Achava-se boba por um instante. Se aquele realmente fosse o seu dia, ela não estaria nervosa assim. "Mas aí que está. Hoje não é meu dia, não. É o dia dele". Era o dia dele.
Outro riso sozinha - às vezes era egoísta e guardava aqueles pontinhos luminosos de alegria só para ela. Ainda sorrindo, resolveu pensar em um presente. E teria que ser inesquecível, disso tinha certeza. Não sabia o que comprar - até porque o que ela queria, não se vende. Queria um momento de paz, outro de plenitude, um tantinho de sucesso e um montão de amor. Poderia juntar isso tudo e entregar numa caixa embalada com fita, talvez. "Sim, sim, parece bom!" - exclamava-se. Ninguém faria melhor, ninguém. Então, ela colocou a caixa debaixo do braço. Conferiu mais uma vez o vestido. Respirou de uma só vez - estava na hora de ir. Estava na hora de dar tudo isso a ele.
Quando levou a mão ao trinco da porta, sentiu um aperto no peito, uma sensação de que esquecera de alguma coisa. Ela pôs a caixa de lado e correu até o quarto. Em frente ao espelho, as mesmas flores rosas e o batom sem borrar. Encarou-se por alguns segundos até seu reflexo lhe dar a resposta. Para onde ela iria? Às vezes era acometida por esses lapsos de ingenuidade - como se fosse encontrá-lo por ali, logo ao abrir a porta. A realidade era dura e, de vez em quando, surgia no sonho para lhe açoitar. Os olhos dela se encheram de lágrimas rapidamente e, antes que pudessem correr pelo rosto, a pobre já havia sentado no chão. Por um momento quis que o dia acabasse ali. "Longe dele parece que as coisas não importam muito" - argumentou-se.
Com o peso da saudade nas costas, ela fitou os pés por alguns minutos. Nessas horas gostava de retomar o sorriso dele, os jeitos dele, a presença dele. Pequenos flashes de felicidade passada, mas que valeriam por toda a vida. Confiante das lembranças, ela levantou e foi até seu reflexo. Esquecendo de todo o resto, começou assim - "Se foi você quem me acordou, então pode ser o mesmo a levar meu recado. Diga a ele que o espero de vestido florido. Diga a ele que tenho um presente na porta. Diga a ele que tenho beijos e abraços guardados. Diga, diga que tenho lágrimas por vir, sorrisos para entregar, palavras por dizer. E, diga, por favor, que o amo com a força de tudo aquilo que espera sem sair do lugar".
Com a mão esquerda ela esfregou os olhos. A maquiagem foi parar na bochecha e, pela primeira vez, ela não se importou. Outros olhos estariam lá no lugar dela. Suspiro com pontinha de dor. Apesar de tudo, ela ainda tinha outros motivos para sorrir - um grande motivo para sorrir: era o dia dele. E, por ele, ela poderia encarar o espelho e dizer - "quem ama, entenda de uma vez por todas, faz assim".
2 comentários:
"Tia Jú" Querida,aqui Pati Ferreira.
Canção do dia de sempre
Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
Nosso poeta Gaúcho Mário Quintana.
Que lindo. Que imensidão desse amor, que doçura em querer entregar tudo o que tem de melhor no mundo em uma caixinha com laços de fita e que espera apaixonada... Gostei demais do texto que escreveu! Bjs
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